Imagem: Renato Freire

Ceará

Com dificuldades na pandemia, cooperativas da agricultura familiar olham para o digital em busca de novos mercados 

Com a interrupção dos programas de aquisição de alimentos nos estados e municípios, cooperativas procuram em lojas, apps e plataformas digitais novos meios de chegar ao consumidor

Da roça para a mesa da escola, do cofre público para o orçamento do cooperado. Até março de 2020, quando foi declarada a pandemia do novo coronavírus, era essencialmente este o percurso realizado pelos produtos e dividendos da maior parte das cooperativas da agricultura familiar do Ceará. Hoje, essas organizações buscam nas plataformas digitais soluções para os problemas financeiros expostos pela crise sanitária. 

As cooperativas eram um dos pilares de fornecimento para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), responsável por financiar a merenda escolar. Conforme a lei 11.497/2009, 30% do valor transferido pelo programa a estados e municípios deveria ser utilizado na compra de gêneros alimentícios produzidos por agricultores familiares. E assim, o PNAE era um dos pilares da saúde financeira dessas cooperativas. 

Com as escolas fechadas, os processos de compra foram suspensos. “Foi um momento muito delicado porque a gente trabalha principalmente com a venda através de licitações para prefeituras e escolas estaduais e municipais. A gente passou por um período de estar fechado mesmo”, revela Karine Uchôa, diretora da Cooperativa Sertaneja Cearense (Fape), localizada no município de Itatira, com mais de 100 cooperados.

A produção das cooperativas encalhou; as contas degringolaram. Nonato Barbosa, presidente da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária no Estado do Ceará (Unicafes-CE), que representa 37 cooperativas em todo o estado, conta que no caso da banana, por exemplo, 70% da produção inicial das cooperativas foi perdida. “Para nós foi um choque, um baque, a gente tinha se planejado, planejado a produção. Boa parte dessa produção os agricultores ou venderam por um preço abaixo do mercado ou usaram para alimentação animal”, conta. “Nós temos cooperativas que estão quase fechando as portas”, lamenta. 

Somente em abril foi promulgada a lei 13.987/20, que autorizou a distribuição de alimentos para estudantes da rede pública com aulas suspensas. Após a mudança na legislação, a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) orientou os gestores a respeitarem a cota de 30% de produtos provenientes da agricultura familiar. 

No entanto, a associação também ressaltou que a distribuição da alimentação escolar para estudantes com aulas suspensas não é obrigatória. Muitas prefeituras optaram por produzir kits de alimentação escolar ou mesmo cestas básicas sem agricultura familiar. “A gente fez orientações aos gestores e alguns seguiram à risca, outros nem tanto. Houve orientação de nossa parte para que os municípios cumprissem o percentual referente à agricultura familiar. E o que nós sabemos é que a grande maioria seguiu”, afirma Vládia Cosmo, analista do setor de educação da Aprece. 

Já Nonato Barbosa, da Unicafes, contesta: “A gente chegou a ter reuniões estaduais com a Aprece. O objetivo: tentar sensibilizar os prefeitos para que eles pudessem de fato comprar alguma coisa da agricultura familiar, ajudar a gente. Infelizmente apenas alguns municípios compraram. No nosso caso aqui de Caucaia [Região Metropolitana de Fortaleza], apenas 12 escolas de um universo de 200”. 

“O que eles alegaram é que os produtos que a gente fornece são muito perecíveis e tinham uma logística muito inviável para a alimentação escolar”, especifica a diretora da Cooperativa Fape. Diante da situação, uma das soluções encontradas pela cooperativa foi fortalecer o contato com o comércio local e o consumidor local por meio da venda direta. 

A cooperativa, que possui fábricas de polpas, passou a oferecer os itens nos mercantis da região. Os bolos, que também são produzidos pelos cooperados, ficaram disponíveis para venda pelas redes sociais como Instagram e WhatsApp. Assim também foi com mel, hortaliças, legumes. “Demorou mais um tempo para realizar as vendas, mas teve aceitabilidade”, avalia Karine. 

A iniciativa dos cooperados de Itatira encontra eco em uma necessidade percebida por outras cooperativas do Ceará. Além de presidir a Unicafes, Nonato Barbosa também é integrante da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (Copavi). A cooperativa, localizada na Região Metropolitana de Fortaleza, enxerga potencial de venda direta nos canais digitais, principalmente em itens como ovos, que podem ser adquiridos tanto pelo consumidor final quanto pelo comércio local.

“Estamos na RMF e, tendo o produto, não precisamos depender de PAA [Programa de Aquisição de Alimentos do Governo Federal], PNAE”, considera Nonato. “Nossa intenção é sair do mercado do governo e buscar outro mercado, mas é um desafio porque as cooperativas ainda não têm uma organização, uma produção que permita concorrer. Mas eu acredito que têm tudo para as cooperativas avançarem, porque o cooperativismo é uma saída”, conclui.


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